Cacique Xicão (à esquerda - assassinado em 1998) pai do atual Cacique Marcos Xukuru
CARTA PARA MANDARU
De: Francisco de Assis Siqueira (1)
Há quanto tempo temos você como líder guerreiro, como símbolo de resistência cultura e exemplo de altivez. Mas, sempre Chicão – o Mandaru.
E a Serra de Ororubá, como está?
Imaginamos que estás sempre preocupado com o teu povo: o que estão comendo? Será que não tem nenhum parente passando fome? Onde vão botar as roças de feijão, milho e a mandioca, para fazerem farinha, a plantação da banana e a cenoura? Sem água? Só com o paliativo das cestas básicas não dá para sobreviver. Mas, ao mesmo tempo, como você é muito rápido no pensamento e pensa muito mais adiante e positivamente, deve estar sorrindo, olhando lá de cima, da Pedra do Rei: hoje, depois de doze anos na luta, já posso ver meus parentes um pouco mais aliviados. Quando chego em Pedra D’Água, antes não podia nem dançar o Toré, hoje tem a Pedra do Rei e um grande terreiro livre dos posseiros, onde juntamos todas as aldeias para dançar o Toré e as lideranças escutarem as preocupações das comunidades e passarem, também, seus recados.
A Pedra D’Água é a escola da organização dos Xukuru de Ororubá. Caípe de Baixo é uma história gorda. Antes só servia de pasto para engorda de gado que beneficiava apenas um fazendeiro. E, agora, é o pasto que engorda a história das retomadas. Na área moram mais de 28 famílias, e umas 80 botam a sua roça. Aí sim, estão engordando seus filhos. Fazenda Queimada. No início foi tristeza. Derramaram sangue do nosso parente Everaldo, filho do Pajé Zequinha. Mas, os parentes que trabalham hoje lá, não passam mais fome. E Pé de Serra. Mesmo sendo uma área pequena, pelo menos um grupo tem onde plantar cenoura, com água da barragem de Pão de Açúcar. Já Tianante, colado com Sítio do Meio, é outra história que está vigorando. Terra boa e pasto à vontade para as vacas da comunidade que já estavam passando fome. Porém, mais animado com a área tradicional em processo de demarcação (26.980 hectares), está quase tudo pronto, mas falta o principal: a homologação e o desentrozamento da área. Aí sim, só os parentes ocupando as nossas terras e trabalhando a vontade.
É, um bom trabalhador não pode pensar no peso da enxada, tem que batê-la e deixá-la bem afiada para cortar a terra.
Muito bem, Mandaru! E agora, que fizestes esta viagem?
Como os parentes vão se arrumar? Mas, é como você dizia, nas conversas à noite, após o café, à luz do candeeiro. A gente sentado, fumando um cigarrinho: "É, o Mandaru tá ficando velho e meio cansado. É por isso que eu não costumo fazer as coisas só. Porque aí os parentes vão aprendendo como eu aprendi um pouquinho. Por que, do jeito que vai, as ameaças, de uma hora para outra! E tem que ficar alguém na frente. Mas, eu quero ficar bem velhinho, os cabelos brancos, sentado naquela pedra e os parentes passando, aquele é o Mandaru, meu filho, que ajudou nós a demarcar a terra, e eu, só dando risada".
Claro, com teu exemplo tudo é possível. Vamos em frente, seguir o exemplo do herói Mandaru.
E, como diz Zenilda: "Se estão pensando que matando Chicão, vão calar a nossa voz, estão enganados! Por que a gente não vai arredar o pé da luta. Meus parentes não queremos vingança. Queremos justiça. E com fé em Tupã e Nossa Senhora das Montanhas, Nossa Mãe Tumaim, o sangue do nosso líder não vai ser em vão, a gente vamos conseguir" (Zenilda: 21/05/98, na Vila de Cimbres).
Francisco de Assis Siqueira é membro da Equipe UEPB / Xukuru
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