Nação Guarani, resposta a Denis Lerrer Rosenfield professor de Filosofia na UFRGS
Por Nuno Nunes
O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, já aparecia mesmo como o prelúdio do que estava por vir: o acirramento político em processos garantidos em lei federal e acordos universais.
Os dez votos favoráveis aos índios da TI Raposa/Serra do Sol entenderam que o procedimento administrativo de demarcação realizado pela FUNAI não foi eivado de nenhum vício, que a forma de demarcação é de reconhecimento integral da área, uma vez atendidos os critérios constitucionais, que a demarcação em faixa de fronteira não compromete a integridade territorial e a soberania do País, asseguradas às Forças Armadas a sua defesa. Além disso, derrubaram o argumento de que demarcação de terras indígenas pode inviabilizar a existência de unidades da federação ou comprometer o seu desenvolvimento econômico. Este entendimento é válido para todas as demais demarcações realizadas com base da CF de 1988.
Porém, o ministro Marco Aurélio Mello que votou contra a demarcação contínua, e o ministro Carlos Alberto Menezes de Direito, que apontou 18 condições para que saísse a demarcação, foram os únicos incidentes. A maioria destas 18 contestações, segundo análise de juristas, são repetições do texto constitucional, sem nenhuma inovação. Outras poucas, no entanto, e sem maior fundamentação, inovam radicalmente as regras de demarcação de terras indígenas e inclusive contrariam tratados internacionais assinados e ratificados pelo País. Além da condição número 19, acatada pelo STF, que inclui os entes federativos nos procedimentos demarcatórios, gerando polêmica sendo que os estudos são técnicos e científicos, cabendo ao antropólogo e ambientalistas redigirem o texto após visitas à área a ser demarcada, de acordo com o Decreto Presidencial 1.775/96. Ou seja, neste procedimento administrativo não se pode contar com o peso político, pois aí sim, viciaria o processo.
Concluído o julgamento da TI Raposa/Serra do Sol, ficam abertas discussões em nível nacional as demais demarcações pelo Brasil, auxiliando-nos a fundamentar a democracia brasileira pois permite divulgar à nação o que é garantido em lei, e o que se propõe incluir nela por acordos políticos.
Após 1988 o estado tinha 5 anos para concluir todas as demarcações no território nacional, e foi iniciado pela Amazônia legal. Logo nos primeiros anos de trabalho percebeu-se que a tarefa demandaria de muito mais tempo. Raposa/Serra do Sol é das últimas grande áreas demarcadas no norte, encerrando apenas uma etapa, e dando oportunidade a FUNAI prestar atenção em outras regiões, como o sudeste, centro-oeste e sul. Estas são, justamente, as regiões que viraram alvo dos ataques de opinistas desinformados, chamados também de anti-indígenas, que valem-se de sua titulação intelectual ou política para manipular informações e inluenciar a opinião pública nacional.
Como exemplo desses casos temos o Deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP), que articula na mídia projeto de lei, em coautoria com o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que obrigaria o Executivo a submeter ao Congresso Nacional os processos de demarcação de terras indígenas. Somam-se a estes os Deputados estaduais espalhados pelo Brasil que reproduzem piamente argumentos infundados. Porém, a função destes senhores é, ao que seus mandatos indica, política, cabendo-lhes, como parte da Democracia, fazer exatamente isto: espernear-se para defender seus votos, mesmo que isto leve a contradizer a lei, pois a imunidade parlamentar ainda vigora.
Mas o que dizer, perguntamos, de intelectuais de instituições federais, professores, e no caso abordado aqui, um filósofo, a saber, o Dr. Denis Lerrer Rosenfield, Professor da UFRGS, que vem difundindo abertamente a defesa do latifúndio e o ataque a indígenas e apoiadores de suas causas. Este nobre formador de opinião, e por que não dizer, pensador com responsabilidades públicas, já que é pago pelo estado brasileiro para difundir suas idéias, tem levantado informações contra indígenas nos jornais de circulação nacional, demonstrando boa argumentação lógica, porém, ao que tudo indica, valendo-se de premissas inverídicas.
No artigo publicado em 24 de maio de 2009 no jornal O Estado de São Paulo, Rosenfield aponta para a formação na opinião pública, por parte do CIMI e MST, de uma Nação Guarani que abarcaria os estados brasileiros do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. E que isto se expandiria para outros países, como: Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Sinto lhe informar. Dr. Rosenfield, que o Sr. está quase certo nestas afirmações. Faltou citar, ao invés do Mato Grosso, o seu próprio estado, o Rio Grande do Sul, que também é incluído, não no que o coloca no artigo como Nação Guarani, como se fosse invenção do CIMI ou MST com fins de combater o agronegócio; mas incluído na História registrada desde que os primeiros ibéricos que percorreram neste continente relatando sobre as aldeias de língua Guarani que encontravam desde o litoral do Brasil até Paraguay e o pé dos Andes, em terras atualmente Bolivianas. Dentre esses registros temos a expedição de Aleixo Garcia, em 1524, os de Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, em 1540.
Estes relatos históricos, somados a estudos científicos em antropologia e arqueologia, comprovam a existência, não de uma Nação Guarani, mas da noção que o povo Guarani tem de território tradicional, coincidente com o terrritório histórico da Mata Atlântica, em sua maioria, que assim como a Amazônia hoje, foi alvo de desmatamento e esbúlio nos últimos 509 anos de contato. Nestas provas é que baseiam os laudos de demarcação de terras indígenas previstos no Decreto 1.775/96, do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O qual regulamenta o artigo 231 da CF de 1988.
E antes que se diga que o marco legal para demarcação de terras indígenas, segundo o STF, é 1988, sendo indemarcáveis áreas de ocupação posterior a esta data, lembramos que a noção Guarani, como de muitos povos indígenas, é diferenciada da ocidental que reconhece “área ocupada” apenas a casa e seu quintal. Na noção do povo Guarani área ocupada é desde a casa, a roça, o rio, a nascente, a mata para caça e coleta, e ainda o espaço ocupado pelos antepassados e os que serão ocupados pelos descendentes. Sendo que a noção Guarani reconhece não a terra, mas o território ocupado milenarmente por este povo.
Mas para não restar dúvidas quanto ao marco legal de início de processos de demarcação de terras indígenas no Brasil, afirmado pelo STF ser 1988, temos que a primeira vez que se referiu à palavra “demarcação” como um programa ou projeto de Estado foi no Decreto nº 426 de 24 de julho de 1845, art.2º, §14, cabendo ao Diretor de Aldeia respectivo e ao Diretor Geral dos Índios a qual estava subordinado, ambos nomeados pelo Presidente de cada Província, proceder às ações devidas de delimitação. Em seguimento a esta determinação, cinco anos depois, a primeira lei geral visando o ordenamento da estrutura fundiária do Brasil, a de nº 601 de 18 de setembro de 1850, contemplaria no artigo 12º e depois no artigo 98º do Decreto nº. 1.318 de 30 de janeiro de 1854 que a regulamenta, a atribuição de o governo imperial reservar terras devolutas para colonização de índios e de seus diretores registrarem as terras possuídas por índios. Evidentemente essas primeiras garantias às terras indígenas nem sempre contaram com administradores honestos e responsáveis culminando em situações de esbulho. Apesar disso amadurecia-se o entendimento jurídico sobre o que hoje chamamos direitos originários.
Há muito tempo que deixou-se de falar em Nações indígenas para falar em povo ou população indígena, justamente para evitar más interpretações. Falar em nação, logo remete-se a nacionalismo e independência territorial, e isso muitas vezes é usado para sussitar confusões internas num país, este sim que pode ser chamado nação. O povo Guarani é o mais populoso do Brasil, ao lado dos Tikuna da Amazônia, com cerca de 30 mil pessoas. E também é o que menos tem terras regularizadas de acordo com o Artigo 231 da CF. Falantes da língua, apesar do extremo e conflituoso contato com a sociedade civil, ainda mantém fortes sua religiosidade e concepção de mundo, adicionadas à presença de suas sementes tradicionais de milho, feijão, melancia, amendoim, entre outros, que é resguardada como ouro, passada de geração a geração, a espera de uma terra garantida para multiplicarrem-se e mostrar ao mundo a etno-biodiversidade que trazem apesar dos ataques constantes à suas vidas.
O território que viviam os Guarani no início da colonização é basicamente o mesmo atualmente ocupado, salvo diferenças no número de ocupantes e quantidade de aldeias, que é drasticamente menor devido aos ataques centenários. Atualmente este território é dividido pelas fronteiras nacionais de Brasil, Paraguay, Uruguay, Argentina e Bolívia, o que remete, sim, a pensar como estes países diferentes podem lidar com uma mesma cultura indígena. Esta discussão sugiu não pelo CIMI ou MST, mas já é antiga em cada país em discussões entre os próprios indígenas e também na Reunião de Antropologia do Mercosul, que ocorre bianualmente, sempre com um grupo de estudos sobre o Guarani no Mercosul. Soluções existem, como a que foi feita com o povo indígena Sami (os Lapões) na Noruega, Suécia e Rússia, que fundaram um parlamento comum para encaminhar suas questões e respostas aos governos dos 3 países, mediante acordos internacionais.
Os Sami foram os principais promotores das elaborações da Convenção Internacional da OIT 169 que trata dos direitos indígenas, e da Declaração Universal da ONU dos Direitos Indígenas de 2007. Existem mecanismos, portanto, internacionalmente estabelecidos e utilizados por muitos povos indígenas no mundo para defender seus direitos. Um deles é o que ocorreu de 18 a 29 de maio de 2009 em Nova Yorque, o Forum Permanente da ONU para Povos Indígenas. Portanto, não há novidade em chamar atenção pública externa, caso uma Convenção internacional, que no Brasil tem status de lei pelo Decreto 5.051/2004.
Tocando nestes assuntos, lembro-me do filósofo Immanuel Kant, que em 1975 escreveu um opusculo intitulado “A Paz Perpétua”, um projeto filosófico para a efetivação da paz mundial. Para isso, as nações precisariam formar uma federação de estados que trabalhariam na elaboração de uma “lei cosmopolita”, ou uma lei internacional, e todos se comprometeriam em levar a cabo o desarmamento de seus países para que a paz seja realmente perpétua, e não haja mais guerras, mas sim discussões juridicas para resolver os problemas.
A lição de Kant parece estar sendo seguida, por incrível que pareça, apenas por aqueles que não são da tradição filosófica ocidental, e que têm sua própria tradição de pensamento: os povos indígenas. Foram estes que realizaram a paz perpétua entre si e entre o ocidente, desarmando-se e levando as pelejas ao nível legal e jurídico. Porém, isto ainda não foi compreendido por certos filósofos que insistem em difamar a luta indígena pelos seus direitos como sendo luta por separatismo.
Uma situação análoga à do povo Guarani viveram os judeus nos séculos XIX e XX, que contaram com apoio internacional, mais fortemente da Inglaterra que governava o oriente médio após a derrota do império turco-otomano na I Grande Guerra, para criação do estado de Israel na Palestina em 1948. Esta demanda já vinha desde 1922 na Liga das Nações e culminou após o fim da II Guerra Mundial, com apoio da recém criada ONU. Era a concretização de um sonho que Theodore Herzl acalentava: que os judeus tivessem uma terra onde pudessem se sentir livres.
Atualmente, a demanda é Palestina, também pela criação de seu estado. Porém, Israel tem demonstrado que está longe de compreender a Paz Perpétua Kantiana e acusa o fragilizado povo palestino, comprimido na Faixa de Gaza e Cisjordania, de instigar a guerra, envergonhando o mundo quando a verdade aparece, como ocorreu em final de 2008, denunciadas as tramóias eleitorais israelitas.
Os povos indígenas de modo algum querem a formação de estado ou nação para si. Nem mesmo os armados Zapatistas do sul do México, e seu Exército de Libertação Nacional que reune o povo Maya, quis a separação durante o levante que chamou a atenção do mundo em 1 de janeiro de 1994.
Sendo assim, o que está na mira não é o agronegócio, mas algo que está fora de moda, e que talvez volte a ser promovido pelos filósofos e professores universitários, volte a caminhar pelas ruas estampada em camisetas, seja no Brasil ou no exterior: a dignidade!
Nuno Nunes é Filósofo pela UFSC e escritor de novelas filosóficas
nunonunes3@gmail.com
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Nação Guarani
Nação Guarani
Denis Lerrer Rosenfield
A demarcação da Raposa-Serra do Sol já aparecia como o prelúdio do que estava por vir. Apesar das ressalvas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal, que tornaram menos aleatórias e arbitrárias as demarcações e homologações de terras indígenas, o processo de relativização da propriedade privada e da soberania nacional segue agora o seu curso. Imediatamente após a decisão do Supremo, as agremiações ditas movimentos sociais, como o MST e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ala esquerdizante da Igreja Católica, deflagraram um processo de fragilização dessas ressalvas, procurando, nos fatos, mostrar que a lei a eles não se aplica. Tornaram ainda mais explícitas suas posições contra a economia de mercado, a propriedade privada, o agronegócio e o Estado de Direito. Vejamos.
O Cimi e os ditos movimentos sociais estão entrando numa nova etapa de formação da opinião pública nacional e internacional, propugnando pela formação de uma nação guarani. As publicações Porantim (Cimi) e Sem Terra (MST) já trazem matéria a esse respeito, pois essas organizações têm plena consciência de que sem o apoio da opinião pública nenhuma transformação política pode ter lugar. As mentes precisam ser conquistadas para que haja um espaço de abertura para mudanças. Eles estão cientes de que a política moderna, a das democracias representativas, está alicerçada na opinião pública. Utilizam-se, nesse sentido, da democracia para subvertê-la, arruinando as suas instituições.
Para que se tenha ideia da enormidade que está sendo tramada, a dita nação guarani abarcaria partes dos seguintes Estados brasileiros: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O foco é o Estado de Mato Grosso do Sul num primeiro momento e, logo após, Santa Catarina e Espírito Santo.
Cabe ressaltar que é em Mato Grosso do Sul que essa luta se vai travar prioritariamente. Eles reconhecem que perderam nesse Estado a primeira batalha política junto à opinião pública pela disputa desses territórios indígenas. Houve forte reação de proprietários rurais, parlamentares e do próprio governador, impedindo uma primeira tentativa de amputação de cerca de um terço de seu território. Naquele então, o discurso apresentado era de que se tratava apenas de uma nova demarcação, que corrigiria uma "injustiça" histórica. Em suma, afetaria apenas alguns proprietários. Ora, já naquela ocasião o que estava em pauta era a formação de uma nação guarani, projeto que ainda não dizia explicitamente o seu nome. Agora estão preparando a segunda batalha, com a bandeira guarani orientando os seus movimentos. Novas portarias da Funai se inscrevem nesse processo em curso.
A nação guarani não está, porém, restrita a esses Estados brasileiros, mas se estende a outros países: Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Segundo eles, a Bolívia já trilha esse caminho político, necessitando apenas ser apoiada no que vem fazendo, destruindo, na verdade, as frágeis instituições daquele país. O foco, aqui, seria o Paraguai, onde o processo se inicia com um presidente simpatizante da "causa" e que, via Teologia da Libertação, compartilha os mesmos pressupostos teóricos do Cimi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do MST. Entendem-se, portanto, melhor a sustentação dessas agremiações políticas ao presidente Lugo e a política adotada de apoio às invasões das terras dos brasiguaios. A identidade brasileira não lhes interessa.
Para granjear a simpatia da opinião pública internacional criaram um site global, hospedado nos EUA, assumido por uma ONG holandesa e alimentado pela regional do Cimi de Mato Grosso do Sul. Observe-se que é o próprio Cimi que elabora o conteúdo de um site internacional (www.guarani-campaign.eu), visando a interferir, dessa maneira, nos assuntos brasileiros, escolhendo como alvo o Estado de Mato Grosso do Sul. Aliás, o site é muito bem feito, começando por uma apresentação gráfica da América Latina sem fronteiras, sob o nome de Ameríndia. A verdadeira América Latina seria a pré-colombiana. Provavelmente pensam, no futuro, em expulsar todos os brancos e negros, europeus, africanos e asiáticos, que deram, pela miscigenação, a face deste nosso Brasil!
Como não poderia deixar de ser, o site comporta várias versões: em português, inglês e holandês, estando prevista a sua ampliação para o alemão. Para quem se preocupa com a opinião pública internacional, busca apoio político e financiamento na Europa e nos EUA, uma ferramenta desse tipo é vital. É ela que terminará alimentando as pressões exercidas sobre o Brasil e subsidiará, também, os formadores de opinião nacionais e internacionais.
Consoante com esse trabalho, foi elaborando um mapa da nação guarani, denominado Guarani Retã, que englobaria os Estados brasileiros acima listados e os países latino-americanos vizinhos. Chama a atenção o fato de a América Latina ser apresentada como um território verde, sem fronteiras nacionais, com o lema "terra sem males". Procedimento semelhante foi adotado com o mapa quilombola, elaborado pela Universidade de Brasília, que orienta hoje as ações da Fundação Palmares, do Incra e dos ditos movimentos sociais. A estratégia política é a mesma.
O Cimi, em suas publicações, reconhece ainda a aliança estratégica com o MST, que lhe ofereceu apoio logístico e organizacional em invasões e outras manifestações, como campanhas de abaixo-assinados. Exemplo recente seria Roraima, com "assessores" emessetistas "ajudando" os indígenas em plantações de arroz. Esses "brancos", aliás, podem lá entrar! Reconhecem, inclusive, que tal aliança foi operacional no Espírito Santo, na luta contra a Aracruz, pois, como se sabe, as plantações de eucaliptos e a indústria de papel e celulose são símbolos, a serem destruídos, do agronegócio.
Outros já estão na mira!
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
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