Por Pablo Richard
“Quem escandalizar e fizer tropeçar a um desses pequeninos que crêem em mim, melhor lhe seria que lhe amarrassem um grande pedra de moinho ao pescoço e que fosse afundado no mais profundo do mar.” (Palavras de Jesus em Mt 18, 6, e paralelos Mc 9, 42 // Lc 17, 2).
Minha intenção com este artigo não é apenas aprofundar os testemunhos sobre a pedofilia na Egreja, mas ir às causas, raiz e conseqüências desta perversidade. A pedofilia e outras iniqüidades semelhantes desencadeou uma crise na Igreja que não é uma crise temporal que se possa ocultar e esquecer, mas uma crise profunda credibilidade, que pode durar muitas décadas para ser resolvida.
1: A Igreja entre a iniqüidade e a libertação
Um fato revelador é confrontar a atitude da Igreja frente à pedofilia e a atitude radicalmente diferente da mesma Igreja frente à Teologia da Libertação.
Por um lado, a Hierarquia foi permissiva, tolerante, legitimadora e acobertadora da pedofilia. Por outro lado, quase ao mesmo tempo, a Hierarquia da Igreja teve uma vigilância extrema, que levou a muitas condenações e a medidas altamente repressivas e tornadas bem públicas. Tivemos um modelo de Igreja em que se abusou das crianças e se lhes cometeram profundos danos em sua natureza humana. Quase à mesma época, tivemos outro modelo de Igreja que optou pelos pobres e buscou sua libertação. Exigiu-se da Teologia da Libertação irrestrita fidelidade ao dogma católico e obediência ao Sumo Pontífice. À Igreja que sofria o problema dos clérigos pedófilos, impôs-se-lhe guardar silêncio, ocultar os fatos, inclusive nos casos graves, guardar a informação como “segredo pontifício” (veja-se carta de Hans Küng aos bispos, do dia dia 15 de abril de 2010).
2: Crise de uma Igreja cujo poder é a instituição, a lei e o dogma
Paulo de Tarso nos diz: “Romperam com Cristo todos quantos buscam justiça no cumprimento da lei. Caíram em desgraça. Quanto a nós, esperamos a justiça desejada por meio do Espírito e da Fé.” (Gl 5, 4-5).
Existe um modelo de Igreja que busca a justiça no cumprimento fiel da lei, da norma, do cânone, do dogma, da doutrina, da rubrica e da estritira hierárquica da Igreja. Há outro modelo de Igreja que busca a justiça numa atitude crítica fremte à lei, ao dogma e à estrutura hierárquica da Igreja. Tal busca se fez efetiva numa nova maneira de se fazer teologia (a Teologia da Libertação), uma nova maneira de ser Igreja (as Comunidades de Base), uma nova maneira de interpretar a Bíblia (a leitua comulnitária da Bíblia) e uma maneira nova de organizar os ministérios e de celebrar a liturgia, à margem da rubrica e da lei. A Igreja que buscou a justiça na defesa absoluta da lei “rompeu com Cristo e caiu em desgraça.” A pedofilia é um sinal desta ruptura e desta desgraça. A Igreja da lei não é mais uma Igreja que busca a justiça por meio do Espírito e da prática da Fé.
“A ira de Deus se revela desde o céu sobre toda a impiedade e iniqüidade dos que pervertem” a verdade com a iniqüidade. Tendo conhecido a Deus, ofuscaram-se em seus arrazoados e seu insensato coração encheu-se de trevas. Uma vez que julgaram inútil conhecer a Deus, Deus os abandonou aos erros do seu próprio juízo, de modo tal que cometem absolutamente tudo o que é mau: injustiça, perversidade, cobiça, maldade, desafiam a Deus, são arrogantes, orgulhosos, farsantes, insensatos, desleais, sem amor e desapiedados.” (Carta de Paulo à Igreja de Roma, 1, 18-30).
“Nenhum condenação existe” para os que vivem em Cristo Jesus “porque a lei do Espírito que dá vida em Cristo te libertou da lei do pecado e da morte.” (8, 1-2).
3. Leis, estruturas e dogmas que deram vida à perversão
a) A lei do celibato obrigatório
O celibato obrigatório pode causar profundo dano à natureza humana. Uma exceção à luz dos Evangelhos seria o celibato assumido livremente por causa do Reino de Deus, sejam estes clérigos ou leigos. De fato, há médicos, enfermeiras, educadores e muitas outras pessoas que entregam sua vida inteira a serviço dos pobres, dentro ou fora da Igreja.
Nos seminários e nos retiros espirituais para os sacerdotes, se fala muito em “crucificar a sexualidade”. Outras vezes, se diz que os desvios de tipo sexual são subjetivos e podem ser superados com a oração, com uma boa disciplina e com orientação psicológica, que não é dada normalmente por psicólogos, mas por “diretores espirituais”, eles próprios afetados pelo celibato obrigatório.
b) A mesma lei que justifica o celibato e condena a homossexualidade
A homossexualidade é uma opção legítima, quando está guiada por uma ética de amor e fidelidade. Um problema freqüente surge quando se utiliza a condição clerical para encobrir a homossexualidade. A perversão não é a homossexualidade, mas a utilização da instituição eclesial para encobri-la. A homossexulidade manipulada, reprimida e ocultada pode ser causa de sérias perversões sexuais. O Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado do Vaticano, em sua visita ao Chile, sentenciou que não existe uma relação entre celibato e pedofilia, e que tal constatação estaria fundada em pesquisas científicas sérias de psicólogos e psiquiatras. O cardeal, numa única declaração buscou justificar o celibato e condenar a homossexualidade, com o que negou toda a culpabilidade da Igreja nos delitos de pedofilia, e culpabilizou os homossexuais por tais delitos.
c) A lei absoluta na Igreja de só incluir homens em sua hierarquia
A Igreja católica é a instituição religiosa mais antiga e poderosa cuja estrutura hierárquica é formada exclusivamente por homens. Uma revista (Newsweek) falou de um “clube masculino mais bem sucedido e indestrutível em toda a história.” O Papa em Roma, o Bispo em sua diocese e o Pároco em sua paróquia é o poder sagrado masculino mais antigo na Igreja.
A exclusão da mulher da estrutura hierárquica da Igreja católica é a outra face da masculinização absoluta do ministério clerical. Esta situação transforma a hierarquia eclesial num espaço em que tudo é discutido e decidido entre homens. Qual seria a posição da hierarquia, se a pedofilia fosse discutida entre homens e mulheres? Como seria a Igreja católica, se o cargo atual de Secretário de Estado fosse exercido por uma mulher cardeal ou se uma mulher ordenada estivese no cargo de um dicastério, no Vaticano?
d) Confrontação entre a Igreja católica e a modernidade
A Igreja, desde o século XIX, tem-se visto ameaçada pela modernidade. Por isso redigiu o “Sílabo dos erros da modernidade”. O Concílio Vaticano I (1869-1870) confrontou a “civilização moderna”, quando esta afirma a autonomia da razão, do indivíduo, do Estado e das ciências frente à Igreja católica.
Algumas conclusões do Concílio Vaticano I:
Que a Igreja é uma “sociedade verdadeira, perfeita, espiritual e sobrenatural.
”Que a Igreja é “indefectível” e “infalível”.
Define-se o primado do Romano Pontífice, a soberania temporal da Santa Sé e a função do Papa como juiz supremo de qualquer controvérsia eclesiástica, enquanto ele não pode ser julgado por ninguém, nem sequer pelo concílio.
Finalmente, proclama-se “como dogma divinamente revelado que o romano pontífice, quando fala ex-cathedra, goza de infalibilidade.”
Enquanto tivermos um modelo de Igreja marcado por esta tradição conservadora, a hierarquia católica será incapaz de aceitar as melhores conquistas da modernidade, principalmente em matéria de sexualidade humana.
e) A lei que une perversão sexual e poder sagrado
O arcebispo de Poitiers, Dom Albert Rouet, em livro seu intitulado “J´aimerais vous dire” (Bayard, 2009), escreve: “A Igreja tem estado sacudida, durante vários meses, pela revelação de pedofilia. Será que tudo isso é uma surpresa? Gostaria, antes de tudo, de precisar uma coisa: para que exista pedofilia são necessárias duas condições: uma perversão profunda e um poder. Isto quer dizer que todo sistema fechado, idealizado e sacralizado é um perigo. Quando uma instituição, inclusive a Igreja, se fundamenta numa posição de direito privado e se afirma numa posição de força, os desvios financeiros e sexuais chegam a ser possíveis.”
4. As vítimas da pedofilia e a credibilidade da Igreja
É importante ver toda a realidade da pedofilia, a partir de suas vítimas. A Igreja considerou, até há pouco tempo, a pedofilia como um pecado e não um delito. O pecado pode ficar oculto no segredo do sacramento da confissão, mas o delito é um crime que deve ser levado publicamente aos tribunais. A Igreja hierárquica recusou a culpabilização da pedofilia e ocultou o pedófilo para salvar como Igreja sua credibilidade e prestígio. A Igreja também ocultou a criminalização da pedofilia para evitar ser condenada e pagar uma indenização econômica. Ocultar o delito e o delinqüente para salvar o prstítio da Igreja, é uma iniqüidade e uma agressão contra as vítimas. Expressa também hipocrisia, farisaísmo e falta de solidariedade.
A Igreja hierárquica ocultou os padres pedófilos, com o pretexto de tornar possível um acompanhamento psicológico. Transfere-os de uma paróquia para outra ou os enviou a uma diocese fora do país, com o pretexto de uma reabilitação dos pedófilos, para não causar danos à credibilidade e ao prestígio da Igreja. Argumentou-se que a pedofilia era uma “enfermidade” que para ser sanada, devia-se evitar todo escândalo público (entrevista ao Cardeal Dario Castrillón Hoyos, realizado por Patrícia Janiot, na CNN).
Um argumento utilizado para ocultar a pedofilia do clero era a prioridade que se devia dar à Instituição Eclesial por cima das vítimas. Via-se assim como necessária a reabilitação do clero pedófilo, em função dos interesses da mesma Igreja. Além disso, esta não devia “perder” um sacerdote por causa de um “problema pessoal” como era considerada a pedofilia. Argumentou-se também que o número dos sacerdotes pedófilos era insignificante, em comparação com a maioria dos sacerdotes que não o eram. Discutiu-se ainda que o percentual da pedofilia no clero era mínimo, se se comparasse o percentual da pedofilia em nível social e mundial.A Igreja também enfrentou os meios de comunicação que denunciavam a pedofilia na Igreja. Interpretou isto como uma campanha midiática perversa contra a prórpia Igreja católica. Agora, a Igreja se apresentava assim como vítima, e ocultava as verdadeiras vítimas da pedofilia.
Todos esses argumentos confirmam que a Igreja não via a pedofilia, a partir de suas vítimas, mas a partir de seus interesses, especialmente a partir da defesa de sua credibilidade e de sua autoridade.
5. Os gritos das vítimas e o pranto da hierarquia católica
No basta que a Igreja peça perdão pelos delitos de pedofilia cometidos por sua hierarquia, episcopal e presbiteral. Tão pouco basta a condenação dos sacerdotes pedófilos e a assim chamada “tolerância zero”. Também não basta que a Igreja tome medidas disciplinares para que a prática da pedofilia desapareça para sempre. Não basta reconhecer que a Igreja se sente ferida ou arrependida. Não basta que os Legionários de Cristo declare que o seu fundador, o Pe. Marcial Maciel e alguns de seus discípulos não são exemplo de vida cristã e sacerdotal.
Tudo isto é justo e necessário, mas falta o mais importante: escutar o grito das vítimas. Toda a problemática da pedofilia deve ser analisada e julgadas por eles mesmos, e a partir de sua própria realidade. Os que foram vítimas têm direito de ser sujeitos de sua própria vida, sujeito da reconstrução de suas vidas e sujeitos da reconstrução dos fatos dos quais foram vítimas. Não desejam que sejam outros, inclusive seus vitimários, que falem por eles. Eles próprios exigem uma explicação de por quê a Igreja ocultou os clérigos e bispos pedófilos. Pedem pessoalmente uma condenação de seus agressores e uma indenização pelos danos infligidos. Eles, como sujeitos, querem ser solidários com outras vítimas de pedofilia, na Igreja e na sociedade, que ainda não puderam fazer su denúncia e levar a juízo. O grito das vítimas já ecoa no mundo inteiro. A solidariedade, pois, já se estende a outros milhões de meninos e meninas que sofrem outras realidades de morte, como as dezesseis mil crianças que morrem de fome, a cada dia.
Sentimos hoje a atualidade das palavras que Deus disse a Moisés: “Eu vi a aflição do meu Povo no Egito, escutei seu clamor contra seus opressores e conheço seus sofrimentos. Eu desci para vos libertar e vos conduzir a uma terra onde fluem leite e mel.” (Êxodo, 3, 7-8).
Texto enviado por seu autor teólogo Pablo Richard ao Movimento Teologias da Libertação – Chile..
(Trad. Alder Júlio F. Calado)
Amigos! Amigas!
Nessa direção, entendo bem a contundência do artigo de Pablo Richard, há dois dias enviado por Rolando, e que tentei traduzir para ampliar o alcance da socialização.
Fraternalmente,
Alder
VÍDEOS:
http://www.youtube.com/watch?v=Jr5Q5Volv88
http://www.youtube.com/watch?v=YpcE6Igwr0U
http://www.youtube.com/watch?v=_tKuNmyjG80
http://www.youtube.com/watch?v=rVvNG_DkwzY
http://www.youtube.com/watch?v=YWvl1EKY0jk
http://www.youtube.com/watch?v=K95X2VKqQ9o
______________________
Nota da editora:
Os vídeos são colaboração do leitor Stefano.
Muito obrigada!!
3 comentários:
Profª , veja este capítulo "santo" da historia da igreja.
http://www.youtube.com/watch?v=Jr5Q5Volv88
http://www.youtube.com/watch?v=YpcE6Igwr0U
http://www.youtube.com/watch?v=_tKuNmyjG80
http://www.youtube.com/watch?v=rVvNG_DkwzY
http://www.youtube.com/watch?v=YWvl1EKY0jk
http://www.youtube.com/watch?v=K95X2VKqQ9o
Obrigada pela dica amigo! Grande abraço.
A sra. poderia divulgar os vídeos no blog?
Postar um comentário