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terça-feira, 20 de abril de 2010

CONHECER PARA RESPEITAR

Até o dia 30 deste mês, exporemos reportagens especiais, algumas publicadas há algum tempo, mas que continuam atuais, tratando da questão indígena em nosso país, como contribuição para amenizar a falta de conhecimento de boa parte dos educadores e sociedade civil a respeito de nossos parentes indígenas.


MBYÁ-GUARANI: EM BUSCA DA TERRA SEM-MALES

Foto: Sócio Ambiental


Quando o Brasil foi descoberto, 5 milhões de índios viviam onde hoje sobrevivem, segundo números oficiais, 329 mil, numa área que representa menos de 12 % do território nacional. A expectativa de vida deste povo não é nada boa. Nos últimos três anos, caiu 11%. Os motivos: as péssimas condições de vida, sobretudo, o acesso aos serviços de saúde e o contato com doenças urbanas. Em época de festejos dos 500 anos de descobrimento do Brasil, e véspera do Dia do Índio, não há muito para se comemorar.
"Foi atropelado, foi expulso, foi muita matança. Então esse dia nós não podemos comemorar porque se tivesse chegado num triunfo, algum resultado que é bom para o povo indígena....mas não temos o que comemorar nesse dia" (Felipe Bisuelo, Mbyá-Guarani/RS)
Ainda lutam pelo direito de viver com dignidade e liberdade em sua própria casa. Foram escravizados, expulsos para longe de suas terras e continuam sendo perseguidos e massacrados, acuados em áreas cada vez menores e menos viáveis.
"Tem semente natural que nós não devemos perder. Também tem essa semente do branco que nós sempre plantamos. Só que não tem muito lugar pra fazer plantação e terra que não ajuda para crescer" (Santiago Franco, Mbyá-Guarani/RS)
No Rio Grande do Sul existem em torno de 9 mil índios sob a jurisdição da Funai no Estado, e mais 3 mil em Nonoai, assistidos pela Funai de Chapecó, Santa Catarina. A maioria dos povos do interior do Rio Grande do Sul são de etnia Kaingang. Os Kaingang habitam terras disputadas por madereiras e grandes agricultores que usam áreas arrendadas dos índios. As dificuldades na busca de atendimento médico, a desnutrição e o contato que há muito já enfrentam com doenças trazidas pelo homem branco, fazem com que suas plantas medicinais já não possam mais curar. Na reserva da Guarita, norte do Estado, 13 crianças morreram desde dezembro do ano passado. O Procurador da República, Marcelo Beckhausen, declarou no mês de março, que já foi encaminhada uma ação civil pública à Justiça Federal, determinando que a Funai recupere a infra-estrutura física dos serviços de saúde no prazo de um ano. Ele comenta os relatos indígenas, sobre a discriminação nos postos de saúde das cidades próximas.
"Uma informação por parte de funcionários da Funai de que em hospitais do interior estariam discriminando essas comunidades indígenas inclusive em relação aos leitos. Então isso não pode mais acontecer. A Funai tem que ter uma política pública de saúde. O que eu tenho de informação seria de um hospital em que as pessoas exigiriam que não ficassem num mesmo quarto que os índios" (Marcelo Beckhausen - Procurador da República no RS)
A Fundação Nacional do Índio, no Rio Grande do Sul, com sede em Passo Fundo, vê seus orçamentos serem cortados a cada ano. Como explica o Superintendente Substituto, JACI RODRIGUES SBARDELOTTO.
"A Administração em nível de estado encaminha anualmente os projetos que seriam necessários para o ano seguinte. Só que esses projetos infelizmente não tem aprovação total em nível de Ministério. Então você faz, por exemplo, um orçamento da necessidade de 1 milhão de reais e recebe 80 mil. Então você tem que trabalhar com os 80mil. Você projeta dez e recebe um" (Jaci Rodrigues Sbardelotto, Superintendente Substituto da Funai/RS)
Se com terras demarcadas, sejam reconhecidas como área indígena ou transformada em reserva, já é difícil a sobrevivência, aqueles que ainda não possuem um paradeiro reconhecido, têm muito mais para se preocupar. Há uma segunda tribo que habita o território gaúcho. Os Mbyá-Guarani formam um grupo de mil índios espalhados no Rio Grande do Sul. Esses índios, caracterizados nômades, não possuem nenhuma área demarcada. Eles seguem um circuito de andanças onde visitam outras comunidades Guaranis, em Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e nos países do Paraguai, Argentina e Uruguai. Acampados a beira de estradas, os Mbya-Guarani não podem mais caçar e tampouco pescar. Enfrentam dificuldades para transmitirem aos mais jovens, sua cultura e religiosidade, se tornando cada vez mais vulneráveis a doenças. Agora, mais do que nunca, precisam de terra, para resgatar o que restou de sua identidade. Um grupo de 75 Mbyás, habita pequenas áreas à margem da BR 116, na altura do município da Barra do Ribeiro. Sobrevive da venda do artesanato, com dificuldade, como explica JOSE CIRILO MORINICO, um dos líderes dos Mbyás.
"As vezes não vende nada. Aí sofre as crianças sem alimentação porque ninguém ajuda nós. Se algum vende 5 ou 10 reais compramos alimento pra crianças". (José Cirilo Morinico, Mbyá-Guarani/RS)
Eles já não lembram mais há quanto tempo estão acampados. O perigo para se deslocarem entre os acampamentos, formado por dezenas de casas de lona, já resultou em sete atropelamentos à margem da rodovia. Dois morreram.
"Sete atropelamentos aqui na beira da estrada só esse ano. Faleceu duas pessoas. E também agora essas crianças estão passando perigo. O pai "Iuma" tá cuidando por isso que não aconteceu até hoje com as crianças. E por isso que nós queremos a demarcação da terra pro Guarani ficar fora de perigo" (José Cirilo Morinico, Mbyá-Guarani/RS)
Dos 75 índios, 25 são crianças com idade até oito anos. As condições de saúde são mínimas. No dia em que a reportagem da Rádio Bandeirantes visitou o local, um dos líderes dos Mbyá -Guarani, SANTIAGO FRANCO, reclamava de febre e diarréia com sangue. A suspeita: a água da vertente contaminada com agrotóxico. JOSÉ CIRILO fala sobre a busca ao atendimento médico.
"Quando tem doença nós procuramos o hospital de Barra do Ribeiro. O posto de saúde. Nós mesmo pagamos passagem. Não vem ninguém aqui pra controlar como é que está a situação Guarani. E agora que tem as crianças de um ano. Estão internadas no Hospital Santo Antonio" (José Cirilo Morinico, Mbyá-Guarani/RS)
Os Mbyá-Guarani encaminharam a Funai, o levantamento de um área de 100 hectares na regiões de Barra do Ribeiro. O proprietário se dispôs a vender as terras, mas ainda não há proposta da Funai.
"São 100 hectares que pra nós é bom. Já fizemos uma pesquisa e tudo. Não queremos morar mais aqui na beira da estrada" (José Cirilo Morinico, Mbyá-Guarani/RS)
Até agora o povo Mbyá-Guarani do Rio Grande do Sul espera a publicação do resumo do relatório da Funai, sobre as áreas do Cantagalo, em Porto Alegre, Capivari e a Varzinha de Torres. Está em reestudo uma área no Taim e outra em Irapuá. Um dos integrantes do Departamento de Identificação Fundiária da Funai, CARLOS ALEXANDRE DOS SANTOS reconhece as dificuldades para as demarcações.
"O artigo da Constituição, o 231, fala sobre tradicionalidade e permanência de um grupo no local. Aí sim a Funai identifica. Como não é o caso dos Guaranis que estão nesse processo de imigração, vindos da Argentina, Paraguai ou mesmo de área do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catariana, estão indo para o litoral, fica difícil caracterizar uma área como tradicional Mbyá-Guarani. A última hipótese seria a compra de terra. Mas hoje em dia os Guaranis estão se fixando, porque eles estão vendo que os espaços que foram designados para eles, pelo "Ianderú" que é o seu deus, estão se acabando". (Carlos Alexandre dos Santos, Funai/DF)
O antropólogo RODRIGO VENZON já atuou em organizações não governamentais de apoio ao índio e, junto a entidades ligadas a igreja, assiste como voluntário aos Mbyá no Estado. Ele reclama da legislação que afastou o povo indígena de suas próprias terras, para serem criadas reservas ambientais.
"Eu acho importante a existência das áreas de preservação ecológica, só que a sobreposição desses espaços em cima dos territórios de ocupação tradicional indígena é bastante complicada. Tem o caso do Parque de Itapuã, por exemplo, onde parte dessa área de preservação se encontra em cima de um território Guarani onde os índios estavam vivendo até a criação do parque. Eu acho que a gente tem que procurar a questão do desenvolvimento sustentável, a harmonização do uso da terra entre as população tradicionais e o meio ambiente" (Rodrigo Venzon, Antropólogo/RS)
O Fórum Permanente Intermunicipal para questões indígenas prepara um grupo de trabalho para apresentar à Funai em Brasília. O objetivo: adiantar, ao menos para o primeiro semestre deste ano, o início do reconhecimento de terras levantadas pelos índios no Estado. Enquanto isso, o povo Mbyá reclama.
"Funai não tem nada que estar se preocupando pra comprar terra, Funai tem que cobrar do Governo Federal, Ministério da Justiça, de que como eles venderam para a população não índio na intenção de cobrar imposto, que o governo pague pra esse proprietário pra devolve pro índio. Que ponto nós chegamos. Nossos antepassados sobreviveram aqui, nós continuamos aqui, chegar a esse ponto do índio comprar terra pra ele. Que história é essa?" (Manoel Lima, Mbyá-Guarani/SP)
E sonham com a terra do Sem-males. Um lugar além do mar em que eles acreditam que não há maldade, fome ou doença.
"Essa terra nós sabemos que existe. Só que é muito difícil chegar. Só sabemos que simplesmente se chega lá. Tem que passar ainda muitos anos pra poder fazer contato com o deus que é sagrado, pra poder alcançar" (Santiago Franco, Mbyá-Guarani/RS)

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Reportagem de Alexandra Fiori, veiculada na Rádio Bandeirantes AM de Porto Alegre no dia 18 de abril de 1998, ganhadora de Menção Especial do XV PRÊMIO DIREITOS HUMANOS DE JORNALISMO NO RIO GRANDE DO SUL em 1998, ano do Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Fonte:
http://www.areaindigena.hpg.ig.com.br/reportag.htm

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