Marcos Miliano (*)
Lagosta, carne e peixe eram a “mistura” que compunha a mesa de meu anfitrião em meu primeiro jantar na Ilha de Tatuoca. Uma das melhores refeições que já tive, com conversa boa e paladar divino. Tudo muito diferente do que algumas notícias encomendadas querem mostrar: “Uma ilha de miséria no desenvolvimento de Suape” - Nada disso! As pessoas que vivem em Tatuoca – Ipojuca – PE, têm uma vida de trabalho como todo brasileiro, mas vivem bem e num modo de sustentabilidade ensinado a quatro gerações.
Quero mostrar ao paciente leitor, que talvez não conheça aquele paraíso a apenas 52 quilômetros de nossa capital, que todos os 7300m2 rodeados por belos rios e mar, com mata, mangue, casas e animais será concretado e transformado na pomposa Zona Industrial Portuária, de um modo ou de outro, tudo estará morto, inclusive o modo de vida tradicional que tem ali. A afinidade dos nativos com o lugar é ignorada e em troca de sua retirada da casa, o que se oferece é a depressão aos idosos que deixarão sua referência de vida, a falta de perspectiva para os mais jovens longe de seu meio de subsistência e a perda geral da paz.
As pessoas que vivem em um lugar de beleza exuberante e com excelente qualidade de vida, em seus sítios com fruteiras, areias brancas e sinfonias de pássaros, serão levadas para uma vila, longe de seu lugar de referência, para morar em casas de gesso, com dois quartos e quintais de 25m².
Visitei a Tatuoca por causa de uma pesquisa acadêmica, conheci as pessoas das 48 famílias que povoam a Ilha da “casa do tatu”, gente um pouco desconfiada por tudo de ruim que aquelas pessoas do desenvolvimentismo têm trazido – barulho, poluição, morte da fauna, flora e a expulsão; Mas que depois, ao perceberem sua amizade, o tratam por compadre e o acolhem em suas casas com a melhor hospitalidade. Nos oito meses que freqüentei semanalmente a casa de meu amigo Edson nunca senti o menor desagrado, cara feia ou questão negativa, nem dele, nem de sua maravilhosa família ou de qualquer morador que convivi durante minha pesquisa, tão invasiva como toda pesquisa.
A partir da série de inovações trazidas pelo “desenvolvimento”, transformam-se as estruturas e práticas sociais e a própria cadeia de geração de valor. No entorno do Complexo Industrial Portuário de Suape, um padrão se constrói para o trato com as comunidades e em meio a diferentes condições os projetos sociais são implantados, sem levar em consideração as necessidades específicas de cada comunidade. O Governo esquece que o que os move deveria ser as questões ligadas diretamente à qualidade de vida dessas pessoas e não as promessas de ganhos econômicos muitas vezes camuflando a destruição do meio ambiente.
A modificação da rotina de vida daquelas comunidades engolidas por esse desenvolvimento deve ser observada antes de tudo, nesse processo de implantações.
Estudos em andamento apontam para uma ocupação da ilha, desde 1550, onde ela aparece em documentos históricos guardados na Torre do Tombo e em outros importantes acervos. Mesmo porque Pinzón aportou em sua praia em janeiro de 1500.
O que o socioambientalismo coloca em pauta, está em associação às necessidades de constituição de uma cidadania para os desiguais, a ênfase dos direitos sociais, o impacto da degradação socioambiental, notadamente sobre as comunidades menos privilegiadas pelo esclarecimento.
O discurso do desenvolvimento sustentado assume papel de preponderância e a sustentabilidade deve ser encarada como um novo paradigma do desenvolvimento. O poder público local, ao invés de aceitar as determinações dos conglomerados corporativos, assinando permissões e alvarás, em nome dos regalos econômicos trazidos pelo desenvolvimento, deveria potencializar uma verdadeira parceria com as associações de moradores para pensar um desenvolvimento que beneficiasse as comunidades humildes, vítimas das alterações promovidas pelos empreendimentos que degradam e engolem um meio de vida histórico, tradicional e sustentável, dessas famílias. E quando me refiro a parceria, não quero dizer distribuir cestas básicas e preservativos, em época de eleição, mas de entender os anseios das comunidades e suas preocupações, tentando compreendê-las.
Antes de pensar o desenvolvimento, a duras penas, com aterros de mangues e estuários, morte de peixes e meio de vida local, a retirada da mata ciliar, entre outros “assassínios”; A coleta e a sistematização de informações estratégicas sobre a função dos ecossistemas a partir de levantamentos completos e reais sobre os impactos dos processos de devastação e desflorestamento deveriam ser feitos e acima de tudo, levados em consideração.
A direção de Suape tenta desfazer a lógica que demanda as articulações e a solidariedade na comunidade, fragmentando com seus acordos individuais e sigilosos a definição de objetivos comuns, promovendo os atritos e conflitos baseados numa acumulação econômica direcionada para cada morador pelo seu direito à terra.
As pessoas estão esquecendo momentaneamente que somos influenciados também pelas coisas da natureza, um lago, um rio, uma montanha ou uma árvore, podem nos oferecer um foco emocional na nossa vida ou para a comunidade, e isso só será notado quando perdermos tudo.
Marcos Miliano é concluinte do curso de ciências sociais da UFRPE e bolsista da Fundaj.
Publicado em: JC Blog CIÊNCIA E MEIO AMBIENTE POSTADO ÀS 14:03 EM 27 de Abril DE 2010
Enviado pelo Profº Dr. Edson Hely Silva - UFRPE
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