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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Um professor fala dos acontecimentos de Realengo‏

Manifestantes se reúnem na Praia de Copacabana em homenagem às vítimas da tragédia (Foto: Tahiane Stochero / G1)
 
 
Aqueles que me conhecem sabem que já fui professor de História por alguns anos, e que trabalhei sobretudo junto a crianças e adolescentes pelas escolas por que passei. Já faz, inclusive, algum tempo que uma boa parte de vocês não têm mantido contato comigo, visto que são amigos distantes, ex-alunos, ex-colegas de escola e de trabalho. Bom, é como professor que lhes falo nesta oportunidade.
Não obstante esteja desempenhando a função de escrivão de polícia em uma delegacia de homicídios na atualidade e que por manter contato diário com histórias que normalmente acabam de forma trágica eu já deveria estar "acostumado" com a desgraça humana, não consegui ficar insensível ao que acabei de ver na TV. Foi minha esposa quem ontem me comunicou da ação homicida praticada por um único homem contra um grupo de adolescentes em uma escola pública do Rio de Janeiro. Quando ela relatou o ocorrido, confesso que a priori não dei muita atenção. Mas hoje, quando parei para ver as imagens das cãmaras da escola mostrando como se sucedeu a mencionada ação, procurei fechar meus ouvidos para o que o jornalista estava relatando e fixei minha mente apenas nas imagens. Naquele momento, eu voltei para as salas de 8°, 9° anos do ensino fundamental e de 1° ano do ensino médio onde já trabalhei (não percebi direito, mas acho que os jovens assassinados estavam cursando alguma dessas séries...). Neste meu retorno, me vi entrando na sala de aula e percebi um bando de rostos de de "aborrecentes", termo que alguns de nós, os "trouxas" (sinônimo de adultos, um termo harryporteano que me permiti dar uma nova acepção, já que estou falando de jovens) costumamos desdenhar dos adolescentes, olhando para mim com aquela cara de desânimo de um garoto quem tem de estar na escola às 7:30 horas da manhã. "Puxa, esse chato já chegou!", falou um deles, ao que prontamente respondi: "Eu vi, mocinho", com um ar de falsa chateação, já que, no fundo, estava rindo por dentro (Na boa, reconheço que a maioria dos professores de história que conheço são uns "porres" mesmo... rsrsrs). Então, eu rememorei o quão especial aqueles momentos sempre foram para mim, isto é, estar com jovens novamente, conversando com eles sobre tudo, inclusive história (rsrs), chamando a atenção de alguém que conversava no fundo da sala, tentando responder perguntas "capciosas" que, de vez em quando, um engraçadinho gostava de me fazer só pra derrubar o maestro (rsrs). Tudo aquilo me vez lembrar do ambiente de sala de aula, da tranquilidade e da paz que ele me transmitia, do prazer de estar ali ensinando e aprendendo com eles, tudo ao mesmo tempo. Foi uma felicidade, confesso. Mas não consegui imaginar, por maior esforço mental que pudesse empreender, que um homem entrasse inesperadamente pela porta da sala, munido com duas armas de fogo e, sem qualquer motivo aparente, sem nada dizer, passasse a efetuar disparos contra os alunos. Também não consegui ver os corpos caídos ao chão, enquanto alguns alunos conseguiam vencer o medo e fugir dali. Não consegui, igualmente, ver o atirador sair da sala, recarregar tranquilamente as armas de fogo e, logo em seguida, voltar a efetuar mais disparos contra os alunos que ali ainda permaneciam, estarrecidos, incapazes de se mover, de reagir perante algo que eles simplesmente não entendiam.
Foi nessa tentativa de imaginar o inimaginável que me dei conta de várias coisas: primeiro, que a relação de aluno e professor, meus amigos, é tão sagrada (pelo menos eu acho que seja) quanto uma relação entre irmãos ou entre verdadeiros amigos; segundo, que aquelas crianças que sobreviveram ao assassinato em massa sempre associarão a figura da escola, antes um reduto de alegria, de ver os amigos, ou mesmo de um local de pura "chatura" (rsrs), a um local de tristeza, de sofrimento, de horror; por fim, que, apesar de estar afastado da profissão, não consigo deixar de ter a "alma de professor", pois vocação é algo único, pessoal, figura entre aquelas características mais íntimas, mais pessoais de cada um.
Aviso que o intuito deste desabafo não é para buscar razões para esta chacina; não é para levantar bandeiras pela necessidade de se olhar com mais atenção para nossos jovens que, desde cedo, dão sinais de que podem vir a cometer algo semelhante quando adultos; não é para sugerir teorias de que, se não tivermos cuidado com nossos jovens e crianças, o Brasil pode se tornar os EUA, onde eventos como estes são comuns; não é para me insurgir contra o Estado por não providenciar uma segurança mais eficaz dos prédios públicos; não é para questionar o modelo de capitalismo que o mundo teima em manter, onde o individualismo, o isolacionismo continua a ser estimulado e faciltando a formação de pessoas alienadas, de fanáticos de toda a sorte; não é para nada disso (embora ache que estes temas e outros que podem ser suscitados em situações como esta são importantes e devem ser debatidos com seriedade, sem estardalhaços ou sensacionalismos). Antes, este desabafo é fruto do profundo pesar de um professor que sempre nutriu verdadeiro carinho por todos os jovens, crianças e até mesmo adultos com quem tive a sorte de compartilhar uma sala de aula.
Hoje é um dos dias mais tristes de minha vida.
 
 
Luiz Guedes da Silva.

"Não importa os motivos que justifiquem a guerra; a paz sempre será maior que todos eles".

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