Um
dos equívocos mais comuns quando o tema é povos indígenas, é considerar
toda a diversidade cultural que ainda hoje existe como sinônimo de
semelhança. Não é difícil encontrar alguém que ao se deparar com um
descendente dos primeiros povos, o identifique como índio. Para o que
foi aprendido nos bancos escolares isso parece certo,
pois lá nos foi dito que ao chegar ao Brasil Pedro Álvares Cabral
pensou ter chegado às Índias, no oriente. Na cabeça de quem escreveu a
história deste primeiro contato pareceu que seria muito conveniente
chamar aqueles nativos – significado da palavra indígena – pela alcunha
índios. Assim passou para a posteridade.
Teria sido assim realmente? Cabral chegou a uma pacata aldeia de pessoas simples que entenderam ser ele e seus navegadores gente superior? Eram, aquelas gentes todas, iguais? Entendiam-se mutuamente? Eram todos amigos e conviviam harmonicamente?
As respostas não podem ser simplificadas. Para cada uma das perguntas outras tantas surgirão em seu encalço. A história que nos foi contada traz o ponto de vista do narrador. Hoje em dia não podemos ficar apenas com pseudo explicação apresentada por um único narrador.
O que sabemos é que as esquadras que Cabral comandava saíram com a intenção clara de encontrar um caminho alternativo para as Índias, que àquela altura era comandada pelo turcos. O que está sendo revelado, no entanto, é que ele havia recebido ordens expressa de vir bisbilhotar a região que Colombo havia encontrado alguns anos antes e de onde corriam vozes da existência de muito, mas muito ouro. Era um verdadeiro eldorado dos contos fantásticos que circulavam pela Europa. Cabral não encontrou ouro algum. Encontrou uma gente relativamente pacata, vivendo uma vida relativamente pacata, sem pressa e sem medo. Era gente bonita, escreveu Caminha, o escrivão. Era bonita de ver, pois não escondiam as vergonhas. No entanto, ouro que era bom, nada. Cabral voltou para Portugal deixando por aqui alguns exploradores que acabaram “descobrindo” outra forma de viver.
A terra era boa, disse Caminha, o escrivinhador. Tudo o que se plantar, nasce. Ele recomendava que se fizesse a colonização. Só que aqui não tinha ouro, tinha apenas o pau-brasil, cujo roubo foi devidamente providenciado através de trapaça sobre os “negros da terra”. Levaram muita madeira para tingir tecidos; papagaios para colorir e falar; alguns nativos para serem expostos ao público; apropriação indevida de conhecimentos ancestrais.
A colonização chegou por lá e o que era para ser um convívio pacifico virou guerra, destruição, perseguição, escravidão, maus-tratos e catequese. Consequentemente também veio a resistência e a descoberta de que aqui havia uma diversidade de povos e línguas; guerras internas entre diferentes povos; alianças entre grupos para combater os invasores que estavam se mostrando perversos, pois seqüestravam mulheres e crianças sem dó ou piedade. Do mesmo jeito a repressão do estado português retrucou gerando leis e regimentos para disciplinar a população da terra brasilis que agora pertencia à coroa portuguesa. Nisso, a alcunha “índio” foi sendo generalizada no uso cotidiano como uma forma de identificar os primeiros habitantes. Não era, naturalmente, palavra para exaltar virtudes, mas para lembrar o que consideravam deficiência porque cercada de adjetivos que diminuíam o caráter das pessoas contra quem era usada. Assim, índio virou sinônimo de preguiçoso, mau-caráter, selvagem, sujo, malandro, cruel, atrasado, ignorante, etc. E servia para todos igualmente desde que fizesse parte de algum povo da terra.
A história contada pelos vencedores quase nunca menciona a manipulação que foi engendrada contra os povos indígenas. Não conta que usaram as diferenças culturais para destruir a alma desses povos; não conta a estratégia utilizada para silenciar grupos inteiros que eram vitimados por doenças contraídas pelo uso de roupas contaminadas; nada diz sobre alimentos contaminados ou rios envenenados. Nos raros livros em que isso aparece, conta-se como superioridade, como esperteza.
De qualquer modo a palavra chegou até o século XXI. Ela continua sendo um fantasma a assustar os nativos brasileiros. Ela continua vitimando muitos jovens indígenas que não conseguem superar a perda de sua identidade cultural. Ela ainda carrega consigo as marcas do sofrimento vivido por muitas gerações que sobreviveram à história dos vencedores. Ela continua sendo um equívoco que precisa ser extirpado da mentalidade nacional. Este não é o único equivoco que trazemos em nossa cabeça, mas certamente é o mais nocivo porque alimenta todos os outros. Ao conseguir se livrar deste modo genérico de referir-se aos povos indígenas, a sociedade brasileira irá dar um passo enorme na sua capacidade de conviver com a diferença.
Sei que tem gente que acha que a palavra “índio” é, na verdade, inocente e que acha até bonito referir-se assim a um indígena, pois valoriza a cultura. Digo a essa gente que a experimente na pele antes de confiar-lhe áurea de inocência. Experimente o desprezo que ela carrega para poder sentir a necessidade do que estou propondo nestas reflexões. Podem ter certeza: ser “índio” custa muito caro para quem traz em si a marca de uma ancestralidade.
No fundo trata-se exatamente disso: compreender a diversidade que está escondida numa única palavra que alimenta o imaginário do brasileiro. Compreender a riqueza de centenas de culturas que ajudam o Brasil ser mais forte, mais rico, mas próspero. Compreender e aceitar que é preciso dar voz e vez às gentes que já estavam aqui presentes antes do brasil ser Brasil. Aqui não há índios, há indígenas; não há tribos, mas povos; não há UMA gente indígena, mas MUITAS gentes, muitas cores, muitos saberes e sabores. Cada povo precisa ser tratado com dignidade e cada pessoa que traz a marca de sua ancestralidade, precisa ser respeitada em sua humanidade. Ninguém pode ser chamado de “índio”, mas precisa ser reconhecido a partir de sua gene Munduruku, Kayapó, Yanomami, Xavante ou Xucuru-Kariri, entre tantos outros.
Teria sido assim realmente? Cabral chegou a uma pacata aldeia de pessoas simples que entenderam ser ele e seus navegadores gente superior? Eram, aquelas gentes todas, iguais? Entendiam-se mutuamente? Eram todos amigos e conviviam harmonicamente?
As respostas não podem ser simplificadas. Para cada uma das perguntas outras tantas surgirão em seu encalço. A história que nos foi contada traz o ponto de vista do narrador. Hoje em dia não podemos ficar apenas com pseudo explicação apresentada por um único narrador.
O que sabemos é que as esquadras que Cabral comandava saíram com a intenção clara de encontrar um caminho alternativo para as Índias, que àquela altura era comandada pelo turcos. O que está sendo revelado, no entanto, é que ele havia recebido ordens expressa de vir bisbilhotar a região que Colombo havia encontrado alguns anos antes e de onde corriam vozes da existência de muito, mas muito ouro. Era um verdadeiro eldorado dos contos fantásticos que circulavam pela Europa. Cabral não encontrou ouro algum. Encontrou uma gente relativamente pacata, vivendo uma vida relativamente pacata, sem pressa e sem medo. Era gente bonita, escreveu Caminha, o escrivão. Era bonita de ver, pois não escondiam as vergonhas. No entanto, ouro que era bom, nada. Cabral voltou para Portugal deixando por aqui alguns exploradores que acabaram “descobrindo” outra forma de viver.
A terra era boa, disse Caminha, o escrivinhador. Tudo o que se plantar, nasce. Ele recomendava que se fizesse a colonização. Só que aqui não tinha ouro, tinha apenas o pau-brasil, cujo roubo foi devidamente providenciado através de trapaça sobre os “negros da terra”. Levaram muita madeira para tingir tecidos; papagaios para colorir e falar; alguns nativos para serem expostos ao público; apropriação indevida de conhecimentos ancestrais.
A colonização chegou por lá e o que era para ser um convívio pacifico virou guerra, destruição, perseguição, escravidão, maus-tratos e catequese. Consequentemente também veio a resistência e a descoberta de que aqui havia uma diversidade de povos e línguas; guerras internas entre diferentes povos; alianças entre grupos para combater os invasores que estavam se mostrando perversos, pois seqüestravam mulheres e crianças sem dó ou piedade. Do mesmo jeito a repressão do estado português retrucou gerando leis e regimentos para disciplinar a população da terra brasilis que agora pertencia à coroa portuguesa. Nisso, a alcunha “índio” foi sendo generalizada no uso cotidiano como uma forma de identificar os primeiros habitantes. Não era, naturalmente, palavra para exaltar virtudes, mas para lembrar o que consideravam deficiência porque cercada de adjetivos que diminuíam o caráter das pessoas contra quem era usada. Assim, índio virou sinônimo de preguiçoso, mau-caráter, selvagem, sujo, malandro, cruel, atrasado, ignorante, etc. E servia para todos igualmente desde que fizesse parte de algum povo da terra.
A história contada pelos vencedores quase nunca menciona a manipulação que foi engendrada contra os povos indígenas. Não conta que usaram as diferenças culturais para destruir a alma desses povos; não conta a estratégia utilizada para silenciar grupos inteiros que eram vitimados por doenças contraídas pelo uso de roupas contaminadas; nada diz sobre alimentos contaminados ou rios envenenados. Nos raros livros em que isso aparece, conta-se como superioridade, como esperteza.
De qualquer modo a palavra chegou até o século XXI. Ela continua sendo um fantasma a assustar os nativos brasileiros. Ela continua vitimando muitos jovens indígenas que não conseguem superar a perda de sua identidade cultural. Ela ainda carrega consigo as marcas do sofrimento vivido por muitas gerações que sobreviveram à história dos vencedores. Ela continua sendo um equívoco que precisa ser extirpado da mentalidade nacional. Este não é o único equivoco que trazemos em nossa cabeça, mas certamente é o mais nocivo porque alimenta todos os outros. Ao conseguir se livrar deste modo genérico de referir-se aos povos indígenas, a sociedade brasileira irá dar um passo enorme na sua capacidade de conviver com a diferença.
Sei que tem gente que acha que a palavra “índio” é, na verdade, inocente e que acha até bonito referir-se assim a um indígena, pois valoriza a cultura. Digo a essa gente que a experimente na pele antes de confiar-lhe áurea de inocência. Experimente o desprezo que ela carrega para poder sentir a necessidade do que estou propondo nestas reflexões. Podem ter certeza: ser “índio” custa muito caro para quem traz em si a marca de uma ancestralidade.
No fundo trata-se exatamente disso: compreender a diversidade que está escondida numa única palavra que alimenta o imaginário do brasileiro. Compreender a riqueza de centenas de culturas que ajudam o Brasil ser mais forte, mais rico, mas próspero. Compreender e aceitar que é preciso dar voz e vez às gentes que já estavam aqui presentes antes do brasil ser Brasil. Aqui não há índios, há indígenas; não há tribos, mas povos; não há UMA gente indígena, mas MUITAS gentes, muitas cores, muitos saberes e sabores. Cada povo precisa ser tratado com dignidade e cada pessoa que traz a marca de sua ancestralidade, precisa ser respeitada em sua humanidade. Ninguém pode ser chamado de “índio”, mas precisa ser reconhecido a partir de sua gene Munduruku, Kayapó, Yanomami, Xavante ou Xucuru-Kariri, entre tantos outros.
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